sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Tô pagando pra ver sim, tô com a cara exposta sim, e pode doer o quanto for, podem maldizer o quanto for, o sorriso que eu levo hoje apaga todos os outros rastros.Eu aprendi, aos trancos, que ser feliz não dói. Ser feliz não dói ... !

Eu não me contento com pouco (Não mais).
Eu tenho muito dentro de mim e não estou
a fim de dar sem receber nada em troca.


"Minha tolerância acabou, minha intuição fareja à distância uma cabecinha ruim. Não aceito mais ser amiga de gente mal resolvida e que me ferra pelas costas. Não tenho raiva de ninguém, mas minha prioridade agora é uma só: eu. Podem me chamar de egoísta, eu aceito."

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Sinto muito, mas ele sempre está lá. Incógnito, invisível, inviável. In, enfim.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011


"Quem me vê sorrindo pensa que estou alegre; O meu sorriso é por consolação; Porque eu sei conter pra ninguém ver; O pranto do meu coração"

domingo, 13 de novembro de 2011

 [ Evaporar- Little Joy]

Ele me bebeu - Clarice Lispector.



É. Aconteceu mesmo.Serjoca era maquilador de mulheres. Mas não queria nada com mulheres. Queria homens.E maquilava Aurélia Nascimento. Aurélia era bonita e, maquilada, ficava deslumbrante. Era loura, usava peruca e cílios postiços. Ficaram amigos. Saíam juntos, essa coisa de ir jantar em boates.Todas as vezes que Aurélia queria ficar linda ligava para Serjoca. Serjoca também era bonito. Era magro e alto.E assim corriam as coisas. Um telefonema e marcavam encontro. Ela se vestia bem, era caprichada. Usava lentes de contato. E seios postiços. Mas os seus mesmos era lindos, pontudos. Só usava os postiços porque tinha pouco busto. Sua boca era um botão de vermelha rosa. E os dentes grandes, brancos.Um dia, às seis horas da tarde, na hora do pior trânsito, Aurélia e Serjoca estavam em pé junto do Copacabana Palace e esperavam inutilmente um táxi. Serjoca, de cansaço, encostara-se numa árvore. Aurélia impaciente. Sugeriu que dessem ao porteiro dez cruzeiros para que ele lhes arranjasse uma condução. Serjoca negou: era duro para soltar dinheiro.
Eram quase sete horas. Escurecia. O que fazer?
Perto deles estava Affonso Carvalho. Industrial de metalurgia. Esperava o seu Mercedes com chofer. Fazia calor, o carro era refrigerado, tinha telefone e geladeira. Affonso fizera quarenta anos no dia anterior.Viu a impaciência de Aurélia que batia com os pés na calçada. Interessante essa mulher, pensou Affonso. E quer carro. Dirigiu-se a ela:
- A senhorita está achando dificuldade de condução?
- Estou aqui desde as seis horas e nada de um táxi passar e nos pegar! Já não agüento mais.
- Meu chofer vem daqui a pouco, disse Affonso. Posso levá-los a alguma parte?
- Eu lhe agradeceria muito, inclusive porque estou com dor no pé.
Mas não disse que tinha calos. Escondeu o defeito. Estava maquiladíssima e olhou com desejo o homem. Serjoca muito calado.Afinal veio o chofer, desceu, abriu a porta do carro. Entraram os três. Ela na frente, ao lado do chofer, os dois atrás. Tirou discretamente o sapato e suspirou de alívio.
- Para onde vocês querem ir?
- Não temos propriamente destino, disse Aurélia cada vez mais acesa pela cara máscula de Affonso.
Ele disse:
- E se fôssemos ao Number One tomar um drinque?
- Eu adoraria, disse Aurélia. Você não gostaria, Serjoca
- É claro, preciso de uma bebida forte.
Então foram para a boate, a essa hora quase vazia. E conversaram. Affonso falou de metalurgia. Os outros dois não entendiam nada. Mas fingiam entender. Era tedioso. Mas Affonso estava entusiasmado e, embaixo da mesa, encostou o pé no pé de Aurélia. Justo no pé que tinha calo. Ela correspondeu, excitada. Aí Affonso disse:
- E se fôssemos jantar na minha casa? Tenho hoje escargots e frango com trufas. Que tal?
- Estou esfaimada.E Serjoca mudo. Estava também aceso por Affonso.O apartamento era atapetado de branco e lá havia escultura de Bruno Giorgi. Sentaram-se, tomaram outro drinque e foram para a sala de jantar. Mesa de jacarandá. Garçom servindo à esquerda. Serjoca não sabia comer escargots e atrapalhou-se todo com os talheres especiais. Não gostou. Mas Aurélia gostou muito, se bem que tivesse medo de ter hálito de alho. Mas beberam champanha francesa durante o jantar todo. Ninguém quis sobremesa, queriam apenas café.E foram para a sala. Aí Serjoca se animou. E começou a falar que não acabava mais. Lançava olhos lânguidos para o industrial. Este ficou espantado com a eloqüência do rapaz bonito. No dia seguinte telefonaria para Aurélia para lhe dizer: o Serjoca é um amor de pessoa.E marcaram novo encontro. Destava vez num restaurante, o Albamar. Comeram ostras para comerçar. De novo Serjoca teve dificuldade de comer as ostras. Sou um errado, pensou.mas antes de se encontrarem, Aurélia telefonou para Serjoca: precisava de maquilagem urgente. Ele foi à sua casa.Então, enquanto era maquilada, pensou: Serjoca está me tirando o rosto.A impressão era que ele apagava os seus traços: vazia, uma cara só de carne. Carne morena.Sentiu mal-estar. Pediu licença e foi ao banheiro para se olhar ao espelho. Era isso mesmo que ela imaginara: Serjoca tinha anulado o seu rosto. Mesmo os ossos - e tinha uma ossatura espetacular - mesmo os ossos tinham desaparecido. Ele está me bebendo, pensou, ele vai me destruir. E é por causa do Affonso.
Voltou sem graça. No restaurante quase não falou. Affonso falava mais com Serjoca, mal olhava para Aurélia: estava interessado no rapaz.Enfim, enfim acabou o almoço.Serjoca marcou encontro com Affonso para de noite, Aurélia disse que não podia ir, estava cansada. Era mentira: não ia porque não tinha cara para mostrar.Chegou em casa, tomou um banho de imersão com espuma, ficou pensando: daqui a pouco ele me tira o corpo também. O que fazer para recuperar o que fora seu? A sua individualidade?Saiu da banheira pensativa. Enxugou-se com uma toalha enorme, vermelha. Sempre pensativa. Pesou-se na balança: estava com bom peso. Daí a pouco ele me tira também o peso, pensou.Foi ao espelho. Olhou-se profundamente. Mas ela não era mais nada.
- Então - então de súbito deu uma bruta bofetada no lado esquerdo do rosto. Para se acordar. Ficou parada olhando-se. E, como se não bastasse, deu mais duas bofetadas na cara. Para encontrar-se.
E realmente aconteceu.No espelho viu enfim um rosto humano, triste, delicado. Ela era Aurélia Nascimento. Acabara de nascer. Nas-ci-men-to.




Hilda querida, talvez esta seja uma carta de despedida. Mas não se assuste, é
que aconteceram alguns imprevistos e resolvi embarcar para a Europa em seguida,
fim de abril ou começo de maio. Vou com Augusto, um amigo antigo — o mais
antigo que tenho —, ainda dos tempos de adolescência, em Santiago, uma pessoa
ótima. Creio que vamos por um avião de Aerolineas Argentinas, o mais barato da
temporada, também porque não temos muito dinheiro e temos que ir logo para a
Suécia, pegar a temporada de trabalho, que começa em maio — provavelmente dia
28 de abril. Ainda tem toda a encheção de saco com papéis e mil transinhas,
portanto não marcamos nada. Mas vamos de qualquer maneira. Meus planos são
fazer uns 1.000 dólares na Suécia para depois viajar um pouco e, em setembro,
fazer algum curso, talvez em Paris, onde tenho dois amigos lecionando na
Sorbonne. Eu estou tranqüilo e sinto que tudo vai sair bem, porque é exatamente a
minha hora — mas de vez em quando tenho umas dorzinhas de barriga, você sabe.
Estou um pouco chateado com você. Há muito tempo, uns dois meses,
mandei para você um recorte de jornal, com uma matéria minha sobre o Lúcio
Cardoso, onde eu falava em você. Sei lá se chegou ou não, mas de qualquer maneira
acho que você poderia ter escrito. E uma coisa que me dói muito, esses seus
silêncios. Sei — claro — que você deve ter problemas bastante sérios, mas uma
carta de vez em quando não custa nada e, às vezes — quem sabe? — talvez até a
gente pudesse ajudar. Penso, com mágoa, que o relacionamento da gente sempre
foi um tanto unilateral, sei lá, não quero ser injusto nem nada — apenas me ferem
muito esses teus silêncios. A sensação que tenho é que você simplesmente não está
a fim de transar muito — e cada vez que tomo a iniciativa de escrever, é sempre
meio tolhido, sem naturalidade, com medo de incomodar, de ser indesejável. Não é
uma coisa agradável. Seja como for, continuo gostando muito de você — da
mesma forma —, você está quase sempre perto de mim, quase sempre presente em
memórias, lembranças, estórias que conto às vezes, saudade. E se é verdade que o
tempo não volta, também deveria ser verdade que os amigos não se perdem. Eu
não gostaria de acreditar nisso.

Aconteceram coisas bastante duras nos últimos tempos (muitas coisas boas,
também). Não vale a pena contá-las, mas a conclusão, amarga, é que não há lugar
para gente como nós aqui neste país, pelo menos enquanto se vive dentro de uma
grande cidade. As agressões e repressões nas ruas são cada vez mais violentas,
coisas que a gente lê um dia no jornal e no dia seguinte sente na própria pele. A
gente vai ficando acuado, medroso, paranóico: eu não quero ficar assim, eu não vou
ficar assim. Por isso mesmo estou indo embora. Não tenho grandes ilusões,
também não acredito muito que por lá seja o paraíso — mas sei que a barra é bem
mais tranqüila e, enfim, vamos ver. Acho que o mundo está aí pra ser visto e
curtido, antes que acabe. Vou de consciência tranqüila, sabendo que dentro de todo
o bode fiz o que era possível fazer por aqui. E não sei quando volto. Nem se volto.
Por uma carta tua, suponho que teu livro deva ter saído. Se fosse possível, eu
gostaria que me mandasses uns três ou quatro: pretendo transar algumas editoras
por lá, e podia encaminhar o teu livro a alguma, você é que sabe. Tenho alguns
amigos escritores por lá, que devem estar mais ou menos por dentro das transas
editoriais.
Quanto ao meu, ainda não soube o resultado do concurso de Brasília, que
deve sair por esses dias. Em todo caso, mesmo que não ganhe nada, será publicado
pelo Instituto Estadual do Livro, quero deixar tudo bem encaminhado. Achei uma
epígrafe ótima, duma letra do Gilberto Gil para uma música chamada Zooilógíco,
assim: “Eu sou o menino que abriu a porta das feras/no dia em que todas as
famílias visitavam o zôo”. Não é uma glória? E o livro é exatamente isso: a
violência e a loucura soltas para grilar os bempensantes. No momento, acredito
muito no grilo como arte, não sei se você entende.
Outra coisa, sobre teu livro: desta vez podias fazer uma boa divulgação.
Além dos críticos de SP e Rio, acho que devias mandar para o pessoal do Suplemento
de Minas, que é muito bom: Sérgio Sant’Anna, Jaime Prado Gouvêa, Angelo
Oswaldo de Araújo Santos, Duílio Gomes e, principalmente, Luiz Gonzaga Vieira,
que é um ótimo crítico. Aqui em Porto Alegre também há alguns críticos
interessantes, se você tiver interesse, eu posso mandar nomes e endereços.
Falar em endereços, lembrei de duas pessoas conhecidas tuas que moram na
Europa: uma é aquela moça, filha duma mulher fantástica, não me lembro o nome
(Cléo?), que mora na frente do edifício Itália — acho que o nome da moça é
Sapinho (apelido); o outro é aquele rapaz compositor, parece que José Antonio de
Almeida Prado. Caso você lembrar de mais alguém, eu gostaria de procurá-los por lá.
Hildinha, acho que é só. Ainda tenho que ir ao centro fazer potes de coisas.
Por favor, me escreve antes que eu me vá. Nem que seja um bilhetinho. Gostaria
muitíssimo de levar, sei lá, a tua bênção, ou uma força qualquer — boas vibrações.
Dá, por mim, um grande abraço em Dante, quando o vires, em la Soininem (diz a
ela que vou à Finlândia, em sua homenagem) e em Zé Luis (o avião que vou fica
em Madri). Um beijo do sempre seu
Caio

Porto Alegre, 27 de março de 1973.  (A Hilda Hilst)
Eu sempre estive só e não queria, deixei você se enfiar por entre medos e se instalar num ninho de culpas e denso silêncio que trago por dentro.Agora te rejeito de um jeito e não consigo te abandonar e você, sem querer, vai embora temporariamente só pra me obedecer, mas sofre amarrado aos meus insultos, todo inclinado pro drama e pro desespero e eu não querendo e você estando, cada vez mais atencioso, cada vez mais inseguro, mais carente, mais agarrado à minha cintura, querendo se enfiar entre meus dedos, tão disponível, plantado na palma da minha mão. Fico triste com a capacidade de coisas que tenho coragem de fazer pra te ver chorar.