terça-feira, 17 de junho de 2014

Paulo Leminski - Bem no fundo

No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.

sexta-feira, 31 de maio de 2013


“Às vezes me isolo, me tranco na minha toca para escrever, para ler, para imaginar. Parece que, no fechado, o imaginário se solta melhor. O que sinto mesmo é incompletude: essa falta de explicação para o sentido da vida. O que tenho é solidão. Mas solidão é opulência da alma. Tudo isso parece que destila amargor e sol na minha poesia.”

— Manoel de Barros

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.

Moça de sonho e de neve,
me leve no esquecimento,
me leve.
-

Ferreira Gullar

domingo, 21 de abril de 2013


ainda ontem
convidei um amigo
para ficar em silêncio
comigo

ele veio
meio a esmo
praticamente não disse nada
e ficou por isso mesmo.

Paulo Leminski

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-Ias, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pátio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."

Eu quero amor feinho.
Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado, é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte, o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos tem os quantos haja.
Tudo que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca,
da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica velho.
Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero amor feinho.
-

Adélia Prado

É o papel de Fred, inconscientemente, envenenar minha felicidade. Ele enfatiza as incongruências do amor de Henry. Eu não mereço um amor pela metade, diz ele. Mereço coisas extraordinárias. Mas o meio amor de Henry vale mais para mim do que todos os amores de mil homens.

Imaginei por um momento um mundo sem Henry. E jurei que no dia que perder Henry, eu matarei minha vulnerabilidade, minha capacidade para o verdadeiro amor, meus sentimentos, com a devassidão mais frenética. Depois de Henry não quero mais amor. Só foder, por um lado, e solidão e trabalho, por outro. Nada mais de mágoa.

Depois de não ver Henry por cinco dias por causa de mil obrigações, não pude suportar. Pedi a ele para se encontrar comigo durante uma hora entre dois compromissos. Conversamos por um momento, então fomos para um quarto do hotel mais próximo. Que necessidade profunda dele. Só quando estou em seus braços as coisas parecem direitas. Depois de uma hora com ele, pude continuar o meu dia, fazendo coisas que não quero fazer, vendo pessoas que não me interessam.

Um quarto de hotel, para mim, tem a implicação de voluptuosidade, furtiva, fugaz. Talvez o fato de não ver Henry tenha aumentado a minha fome. Eu me masturbo frequentemente, com luxúria, sem remorso ou repugnância. Pela primeira vez eu sei o que é comer. Ganhei dois quilos. Fico desesperadamente faminta, e a comida que como me dá um prazer duradouro. Nunca comi desta maneira profunda e carnal. Só tenho três desejos agora: comer, dormir e foder. Os cabarés me excitam. Quero ouvir música rouca, ver rostos, roçar-me em corpos, beber um Benedictine ardente. Belas mulheres e homens atraentes provocam desejos em mim. Quero dançar. Quero drogas. Quero conhecer pessoas perversas, ser íntima delas. Nunca olho para rostos inocentes. Quero morder a vida e ser despedaçada por ela. Henry não me dá tudo isso. Eu despertei o seu amor. Maldito seja o seu amor. Ele sabe foder como ninguém, mas eu quero mais que isso.

Eu vou para o inferno, para o inferno, para o inferno.

Selvagem, selvagem, selvagem.
Anaïs Nin

Lobos? São muitos.
Mas tu podes ainda
A palavra na língua
Aquietá-los.


Mortos? O mundo.
Mas podes acordá-lo
Sortilégio de vida
Na palavra escrita.


Lúcidos? São poucos.
Mas se farão milhares
Se à lucidez dos poucos
Te juntares.


Raros? Teus preclaros amigos.
E tu mesmo, raro.
Se nas coisas que digo
Acreditares.

Hilda Hilst

domingo, 10 de junho de 2012



Hoje resolvi acordar com meu vizinho bem-te-vi e assistir o nascer do sol. Vi que o dia estava clareando, corri pra lavar meu rosto, pegar meu baseado e correr com meu fone de ouvido para  a sacada do prédio, ali em frente ao mar. De longe podia sentir os primeiros raios de sol penetrando em minha mente assim como meu tragar... Aquecia-me, me iluminava. De repente passou pela  minha cabeça: Quantas pessoas estão tendo agora esse mesmo privilégio que eu? De sentir a energia positiva, de ver o mar azul turquesa (o azul é lindo!). Espremi meus olhos e pra minha surpresa avistei ,um pouco afastado da praia, um barco. Era um pescador em meio ao mar,totalmente envolto do oceano Atlântico...aquela vastidão de azul e um sol esplendor recém-nascido no horizonte. Era mais um na plateia! E me veio outro pensamento:
- Quem tinha a  melhor vista? Eu aqui ,de camarote vendo o pescador em seu barco assistir o sol nascendo, tentando imaginar o que se passava pela cabeça daquele homem,enquanto a voz de Elis Regina que  cantava na rádio  ”O bêbado e a equilibrista” inundava os meus ouvidos... Ou ele, que apesar de receber o mesmo sol caloroso que eu,via o espetáculo de uma maneira mais ampla,sem nenhum arranha-céu na frente daquela paisagem celestial . Devia estar ouvindo o som das ondas quebrando na praia.
De fato dividíamos a mesma sensação de liberdade e ao mesmo tempo de insignificância. Sim nós dois insignificantes diante do sol majestoso __ Confesso que gostaria de estar no lugar dele,aqui estou rodeada de concreto. (...)
- Mas que diabos se passa na cabeça de uma pessoa pra despertar antes das 6:00 de La mañana pra ver o mesmo sol de todo dia nascer?
Foi então que constatei: Talvez fosse o mesmo sol de todos os dias, mas não era o mesmo nascer de sol. Eu e aquele pescador estávamos ali assistindo tudo, havia nuvens com tons lilases ( Lilases cor,Lilases flor,como queira. ) e o céu ficara meio alaranjado... a brisa batia no meu rosto e mente,se é que me entende! E isso fazia daquela manhã tão singular!!!
(...) Me dei conta que o locutor dizia que Elis acabara de cantar - eu já sabia, a voz dela é singular, com essa manhã! – Agora seria a vez de Arnaldo Antunes e Nando Reis dizerem,em melodia, que não iriam se adaptar.  ­–  Mas não se adaptar a que ? A esse mundo hostil? Nem eu,viu!
O dia havia começado incrível pra mim e com certeza pra aquele pescador.
Eu entendi porque passarinho acorda tão cedo e cantando. Aliás, naquela cena, Eu,Elis,Arnaldo e  Nando cantávamos,mas e o pescador? Aliás, como é que canta o barulho do mar? Acho que só as conchas sabem
.

sábado, 9 de junho de 2012



“Tudo acaba, mas o que te escrevo continua. O melhor está nas entrelinhas.”




"A todos trato muito bem, sou cordial, educada, quase sensata. Mas nada me dá mais prazer do que ser persona non grata expulsa do paraíso, uma mulher sem juízo, que não se comove com nada. Cruel e refinada, que não merece ir pro céu. Uma vilã de novela, mas bela, e até mesmo culta. Estranha, com tantos amigos e amada, bem vestida e respeitada. Aqui entre nós, melhor que ser boazinha é não poder ser imitada."      

segunda-feira, 4 de junho de 2012


Milhares de velas podem ser acesas a partir de uma única vela, e a vida da vela não será diminuída por isso. Felicidade nunca diminui pelo fato de ser compartilhada. 

Buda